12 de set. de 2010

CRIANÇAS

Não sei bem por que... mas num dia qualquer a oito anos atrás eu quis ter um filho. Sei lá, tinha pavor disso. Nunca quisera antes ter nenhum...
Sempre achei uma responsabilidade medonha ter um ser em suas mãos para ser construido. Como ele será? Será que vou conseguir criar um grande ser humano? Ou só mais um ser mediano? Ou pior ainda: um ser daqueles miseráveis que só vem ao mundo para atrapalhar a existência? Dele e dos outros...
Por isso eu me atrasei pro combinado com a Existência e decidi que seria pai já com trinta e seis anos nas costas... Talvez tarde pra ser pai. Eu tava quase virando avô e não era pai... 
Mas nesse caso de ser pai, o que determinou o meu querer foi a morte do meu. 
Uns anos antes meu irmão mais novo teve seu primeiro filho e, no caso, o primeiro neto do meu pai... A alegria dele com aquele pequeno ser era de admirar.
Mas deixa eu explicar a morte do meu pai e vc vai ver como é que as leis do mundo funcionam: meu pai morreu aos sessenta anos vítima de um cancer no pancreas causado pelo alcoolismo. Morreu feio, vou lhe poupar de detalhes sórdidos, que não são o objetivo deste texto, mas o médico que tratou dele disse que ele passaria dos cem, se não tivesse bebido tanto...
Eu ficava aflito em ver meu pai carregando o nenem com um ano ou pouco mais, numa daquelas cadeirinhas que vc põe no guidão da bicicleta. E bebia... ia da casa do meu irmão, pra nossa carregando o pequeno Tuiuiú, parando de butiquim em butiquim, de amigo em amigo, dando 'bom-dia' pra cachorro no meio da rua... essas coisas que os bebuns sem noção fazem....
Mas nunca caiu, ou derrubou a criança. Isso é uma certeza nas leis do Cosmos: Deus protege os bêbados e as crianças. Principalmente se estiverem juntos.
E ele se foi. Seu neto tinha três anos.
E dias depois eu fiquei matutando: 
-"Caraio, seu retardado, seu pai morreu e você não deu essa alegria pra ele?"
Não dei essa alegria pro meu pai. E um dia resolvi ter filho. Dar alegrias pra alguém, minha mãe, meus irmãos...
Algum poeta já disse que um sujeito quando é um completo imbecil e não consegue fazer nada, faz filhos...É a única doidice ao alcance do homem comum...

Numa noite de sábado, estávamos eu e ela pelados em cima da cama...Um analisando o outro, apesar de que estas noitadas divertidas já duravam mais ou menos um ano,  ainda estávamos nos analisando...Camisinha sempre, já que eu não queria ter filho... 
Durante várias vezes nesse ano eu terminei o namoro, não queria compromisso...Não tinha responsa nenhuma que dirá pra ter filho? Passei a minha vida até então só viajando, acampando por aí com um bando de doidos, curtindo o rock'n'roll, tocando violão, fazendo graffiti nas paredes dos outros...Essas artes todas e meu pai ainda dizia:
-O que mais me admira em você é que tem besta que te paga prá fazer isso... - E dinheiro nunca foi o meu problema: Eu nunca tive muito, mas sempre ganhava bem. Mas também gastava bem. Nem patrimonio consegui juntar.
Mas eu tive empregos sérios: fui desenhista, impressor, letrista, aquarista, até trabalhei por um ano e meio numa rede de fast food famosa por aí...Mas não me adaptei, nunca consegui ficar trancado muito tempo. 
E jamais conseguiria me reproduzir em cativeiro... 
Montei alguns ateliês, fiz trabalhos por encomenda, pintei para-choques de caminhões... Nada que funcionasse como salário. Nada de acumular bens, fazer seguro de vida, previdência, aposentadoria,,,
Muitos amigos, muitas viagens e muita arte. Essa era minha vida. de noitada em noitada, de praia em praia... Até que nessa noite eu olhei dentro dos olhos dela, no meio de uma análise, e disse:
-Vamos ter um filho?- E ela respondeu:
-Sim, vamos...-
Sabe o que é responsabilidade? É o fato de um sujeito ter que encarar algo por que não pode correr antes...
Pois é: eu a e a minha boca, mas fazer o que? Agora já está decidido.
Saber que uma mulher está grávida é a coisa mais corriqueira, mas pra mim foi como fazer aquele gol de trivela , com curva e tudo por cima da barreira... e o goleiro depois de distender toda a musculatura das costas, chegou trinta e quatro milésimos de segundo atrasado para a sua próxima câimbra...
Muita alegria, mas muita preocupação. E hoje e já não sei mais de onde vem a responsabilidade que eu nunca tive. Sempre achei que o que eu ganhava não iria dar, mas hoje em dia o dinheiro aparece... Mas quando eu não tinha filhos, tinha que correr atrás da grana. 
Como diria Marley: "And Jah Provide the bread..." Poético e verdadeiro.
É uma coisa que me draga, consome, mas é uma experiência magnífica. não consigo mais pensar minha vida sem eles. Sim. Eles! Hoje tenho dois. Não sei se é impaciência de vê-los crescer ou de querer que continuem pequenos. Não sei se trabalho que nem um idiota pra deixar uma boa vida pra eles ou se os ensino a se virarem, por que não sei se vou ter tempo de conseguir tudo isso junto. Não sei se os ensino o meu caminho de vida ou os incluo no sistema.
A minha agonia foram os partos. Sei que não posso querer me igualar a mãe, uma criatura divina e generosa, mas a minha aflição era maior que dela. Vieram dela, mas ela se recuperou bem depois de duas semanas de ter dado a luz, mas eu estou atônito até hoje... 
A minha perplexidade vem da dúvida... Como será que vão ser, como vão viver...Serão bons homens? Ou não.  Nessa minha vida de pai solteiro (eles moram comigo há tres anos) não sei se vou sobreviver se eu falhar na construção desses dois seres....











Uns dias depois da morte do velho, essa criança parou no fundo quintal, onde ele lhe fazia brinquedos, lhe dava doces e brincavam juntos. Já fazia tempo que ele não via o avô, ele esteve internado por quarenta e cinco dias e faleceu. A gente tentou explicar, sem dizer que morreu, que o Vô Madú, seu apelido, não iria mais voltar...  
O garoto juntou alguns carrinhos, um banquinho de madeira que o vô fez, sentou muito solene e do alto dos seus tres anos, olhou detalhadamente e longamente em volta, como que procurando...
E chorou... 



TÁ CEDO!!!