25 de mai. de 2009

SKUNK - parte 2


Eu já tava mesmo imaginando que esse negócio de ser amigo de traficante, não ia dar muito certo, mas como a gente sempre tem que quebrar a cara prá aprender alguma coisa, não era dessa vez que ia ser diferente. Ainda mais com doze anos. Quando você tem doze anos, todo mundo fica te dando um monte conselhos, mas a experiência dos outros nunca serve prá gente, não é mesmo?
Além do meu amigo Roberto, a turma era formada também pelos gêmeos Roberval e Vladimir. Os dois sempre tinham novidades da favela prá gente, como o baile Black citado... Com esse bando de aloprados aprendi a fumar, cabular aulas, arrumar namoradas (mas essa é outra história...), jogar flipperama, beber, fazer pindura na cantina da escola, brigar de turma...
Meu-Deus-do–céu! Como a gente brigava na escola nessa época, coisa de ganguismo mesmo, haviam diversas turmas que volta-e-meia se estapeavam uns aos outros pelos motivos mais fúteis. Pelo menos nessa época, ainda era na mão... É claro, todas essas coisas que moleques adoram e os pais odeiam.
Em 1978 apesar da recente liberação dos costumes promovidas nos anos 50 e 60, com muitas delas ainda em curso, a maioria dos pais não eram exemplo de liberalismo.
A não ser o meu pai. Esse era liberal até demais. Tinha sido rockabilly nos anos 50 e 60, andava de topete á brilhantina e pelo que me disse, dava grandes bailes movidos pelo mais puro, emergente e anárquico Rock’n’Roll.
Ele não me dava broncas. Só conversava, demais até. Quando eu aprontava alguma ele não batia, nunca. Mas falava, meu Deus! Como falava. Passava horas falando do que a gente fazia de errado, e dava milhares de alternativas prá gente fazer outra coisa e não a cagada que acabara de cometer, fosse ela qual fosse... Aliás, era melhor mesmo já dar logo uma surra e me largar prá lá, do que ficar falando, falando, falando...
E foi numa dessas, que o Vladimir apareceu na aula de Educação Física, ele não tinha nada que estar lá, ele era da quinta série e eu e o Roberto da sexta, aulas em horários diferentes, Além de que eu era o goleiro do time de futebol de salão e tava treinando.
Terminada a aula ele saiu da beira de quadra e veio na nossa direção avisar-nos que tinha uma novidade.
E é precisamente aí que opções de certo e o errado começam a se confundir..
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—Aí trouxe um barato aqui prá gente ver. — Disse Vladimir começando um suspense.
—O que que é ? — Perguntou o Roberto.
— Vamos esperar o meu irmão chegar, que eu quero que ele também veja — Retrucou esperando a cumplicidade.
— Ele tá onde? — Perguntei.
— Lá em casa, mas já vem. — Disse.
A saímos da quadra e fomos para a frente da escola esperar o Ruberval, conversando besteiras e amenidades.
Por serem gêmeos, eles eram extremamente unidos e unissintomáticos e nunca tomavam decisões separados e quando um ia fazer algo importante sempre esperava o outro...E essa solenidade toda começou a deixar o Roberto ansioso: — E aí ? O quê que tá pegando?
— Peraí que o Rube já chega.-- E chegou uns cinco minutos depois, perguntando:
— Já mostrou prá eles Mi?
— Não, tava te esperando. — E mostrou. Tirou do bolso um pequeno pacote de papel com uma quantidade pequena de maconha, o suficiente para um cigarro...
— Putz! Onde é que você arrumou isso? — Perguntei entre curioso e assustado, já que era a primeira vez que via a Maria Joana ao vivo e a cores: e como fedia aquele trem...
— Achei. Lá no campo da Ponte Preta... — Respondeu, mas ninguém acreditou, nem o irmão, mas na turma ninguém duvidava do que o outro falava. Era um código de moleque: nunca duvidar ou se desmentir na frente dos outros. Pegava mal prá turma toda.
— Então? Vamos ver como é que é? — Pergutou o Rube. Coisa que prá mim foi uma surpresa, já que ele sempre foi o mais equilibrado da trupe e também o mais quieto, mas vai saber lá...
— Enóisvaifumáessaporraonde? — Assim mesmo, tudo junto, que era como o Qüem-Qüem falava quando deixava de ser monosilábico. Você notou né´? “Nóis”. Ele já incluiu todo mundo, nem perguntou nada.
Aí eu disse: — E sei não, não sou muito chegado nesses baratos. — E já viu né, Qüem-Qüem? Lembra da conversa que a gente teve com o Luís o outro dia? Vai pegar mal esse lance. — Conclui.
— Pega nada, é só ninguém ficar sabendo. — Respondeu — A gente pode só experimentar prá ver como é isso.
E fomos. Decidimos que o melhor lugar era no campinho de futebol, ali mesmo em frente à escola. Nos embrenhamos no meio do capim alto que havia na lateral do campo. Ficamos analisando aquilo, eu cheirei e não gostei. O Qüem-Qüem disse que ia fumar a minha parte se eu não quisesse e que ia ficar ‘muito doido’.
¬ Peraí, alguém tem que ficar de boa, pra se alguém passar mal.—
¬ Fica você. – Disse o Vladimir – Que eu vou nessa também.
¬ Falou, eu fico então, se precisar eu chamo a ambulância.—
¬ Ah! Essa é boa. – Disse.
O Vladimir pegou um pedaço de papel fino que ele tirou do maço de cigarros: ¬ É que a seda tem que ser fina...— Grande filosofada essa do Mi, qualquer idiota sabe disso, inclusive a gente.
Enrolou e acendeu. Eu fiquei com a impressão de que não era a primeira vez que ele fazia aquilo, dada a destreza e rapidez com que ele enrolou o baseado, mas deixei prá lá. Eu tava era apavorado demais prá fazer qualquer consideração a mais, entretanto se algo desse errado, eu iria segurar a onda, até por que depois daquele baseado não ia ter muita gente ali em condições de mais nada.
¬ Dá dois aí – Disse o Vladimir passando pro irmão e esse passou pro Roberto que passou prá mim, eles fizeram todo um ritual de tragar e segurar a fumaça, mas eu só experimentei prá ver como era o gosto, tinha que ficar de olho nas coisas, não podia ir fundo dessa vez. Talvez na próxima... E foi nesse pique até que o baseado acabou, e eu fumei mais do que o combinado. Não notei muita diferença de humor, só fiquei mais sonolento...
Fomos de volta para o campo com aquela cara de gato com pena de passarinho no canto da boca, quando você faz coisa errada fica com a impressão de que todo mundo tá sabendo, ou que todo mundo desconfia de você. E depois de um certo tempo zanzando por ali, conversando com a molecada e alguns já meio tontos...
¬ Vamo nessa? Que eu tô com fome...– Disse o Roberto.
¬ Vamo aí. ¬ Respondi.
Nos despedimos dos gêmeos e fomos embora conversando besteiras de garotos a respeito da experiência. No meio do caminho prá casa, o Roberto começou a se queixar de dor na barriga.
¬ Deve ser fome.
¬ Não é fome não, eu sei quando é fome –
¬ Mas dói como ? – Perguntei.
¬ Sei lá, é um bolo na barriga e eu acho que vou vomitar...— Comecei a ficar preocupado, pois aquilo poderia ser uma reação da droga e eu não tava afim de chamar ambulância por que isso iria dar bode e dos grandes.
Antigamente a relação das pessoas com a maconha era bem mais radical, por ser proibida, as pessoas tinham verdadeira aversão a isso, coisa que já vem arrefecendo nos dias atuais, principalmente depois de recentes leis descriminalizando o uso pessoal desse tipo de ‘produto’. Quem viver verá. Eu sempre achei, desde aqueles tempos, que isso nunca foi mesmo um bicho-de-sete-cabeças, pois temos coisas muito piores liberadas e a proibição de cannabis no Brasil foi feita em função de influências de leis de outros países, principalmente os EUA, já que muito dos nossos governantes acham que tudo que é bom prá gringo é bom prá gente aqui...aí ficam imitando as leis de lá, onde ela foi proibida por causa de arruaças no sul do país , supostamente causadas por artistas negros ligados ao Blues e que fumavam mais que Maria-Fumaça velha...
¬ Vamo lá que eu te deixo na sua casa aí a gente vê o que faz ...—Disse-lhe.
¬ Mas não pode abrir o bico lá que senão já viu...
Aí eu tive uma ‘idéia sensacional’:
¬ Tô ligado, mas e gente pode fazer assim, quando perguntarem o que aconteceu a gente diz que você levou uma bolada na barriga durante o futebol na escola...
Esse tipo de ‘idéia’ é totalmente desnecessária, já que a gente poderia chegar lá e não dizer nada, provavelmente
a mãe dele faria um daqueles chazinhos-de-mãe ou daria um remédio qualquer e passado o efeito colateral da cannabis estaria tudo resolvido... mas não foi isso que aconteceu...
Quando chegamos lá, tentamos esconder isso da mãe dele, mas ele vomitou e ela quis saber o que ele tinha. Eu disse que não era nada, que ele ‘só’ tinha levado uma bolada na aula de educação física...(?)
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TÁ CEDO!!!