25 de mai. de 2009

SKUNK - parte 3





Como é comum nessas ocasiões em que a mamãe coruja só se preocupa com a saúde da prole, Oh! Meu Deus: o anjinho que havia me ensinado várias porcarias, agora estava dodói, ihihihi! O riso caro leitor é despeito puro com a situação. Mas com certeza a diarréia que o meu amigo Qüem-Qüem julgava eminente, era muito mais preocupante, mas ela não veio. Quem veio foi o farmacêutico, chamado pela mãe. Eu fiquei por ali segurando onda do amigo. E foi juntando gente, êita povinho curioso, não podem ver um se lascando que vai todo mundo lá...
Meu amigo morava na esquina de uma rua muito movimentada da Vila industrial, a Estrada do Oratório. No quintal ainda morava a avó paterna e acho que umas tias ou primas,... sei lá. Mas aquele povo todo tava lá me apurrinhando. Como dava prá ver a movimentação da rua, cada hora chegava um e queria saber qual era história da bolada na barriga. E lá ia eu repetir tudo tim-tim por tim-tim...Imagina só...
E como toda mentira tem pernas curtas, nesse caso era paraplégica também, por causa da eminência da descoberta e das suas conseqüências e apesar toda minha criatividade, eu só tinha doze anos. Ainda me vem um farmacêutico metido a espertinho prá acabar de lascar tudo... Desses senhores que trabalham no mesmo bairro a muitos anos e em quem as mães confiavam mais do que nos médicos.
.....................................................................................





¬ E então garoto?— Disse-me ele – Que História é essa de bolada?
E lá vou eu explicar tudo de novo...Que tédio... Tava começando a ficar chato.
¬ Olha aqui, esse menino pode ter um monte de coisa, mas uma eu tenho certeza que não foi: bolada na barriga. – Ele sentenciou assim mesmo, não me deixando muita folga prá criatividade.
¬ Foi bolada mesmo...
¬ Vamos fazer assim: se você disser o que foi que aconteceu, eu vou saber dar o remédio certo e seu amigo vai ficar bom logo, mas se continuar com esse papo de bola vai ficar mais difícil...Você gosta do seu amigo né?
E eu que tinha sido campeão de xadrez no Jocelyn por vários anos seguidos, acabava de entrar em um xeque, quase mate!... Pensei um pouco, mas a primeira conclusão a que cheguei foi pensar na saúde do amigo e que se foda a minha reputação, que por essas alturas da minha iniciante vida de roqueiro e encrenqueiro de plantão já não era lá essas coisas.
Geralmente a primeira conclusão a que se chega em uma questão não é mais correta, mas nesse caso eu não tinha muito o que escolher...
¬ O Senhor promete que não conta pros outros? Por que senão minha situação vai ficar complicada.—Perguntei quase sumindo dentro dos meus All Stars.
¬ Prometo.
¬ A gente fumou um baseado...e...
¬Ah, é isso só? Então tá, agora sei o que eu faço. – Respondeu quase conseguindo me convencer da sua aparente cumplicidade. Nesse dia eu descobri que as pessoas quando querem conseguir algo, prometem qualquer coisa que sabem que não vão cumprir e percebi também (lá no fundo da minha cabecinha de infante) que só eu pensava nas conseqüências antes de fazer as coisas, mais ninguém. Nem homens sérios, como os farmacêuticos.
Esse cidadão, que eu fiz questão de nunca mais entrar no estabelecimento dele e nem olhar em sua cara porca, espalhou prá mãe do garoto e prá todo mundo o que havia acontecido, ali mesmo na minha cara, claro que antes ele foi lá e aplicou uma injeção qualquer no Roberto, prá manter a sua reputação de ‘homem sério’.
E foi juntando gente...
Eu praticamente o conhecia desde que era criancinha, provavelmente foi ele quem tratou das minhas infantis crises de bronquite, das minhas dores-de-barriga e poderia ter tratado dessa de outro jeito. Por exemplo: aplicando o remédio certo, mas dizendo que era prá bolada na barriga...
Viraram-se todos prá mim e aparentemente contra. Quando ele passou por mim indo embora, depois de ter feito a ‘boa-ação-do-dia’, a minha vontade foi de criar asas e voar, grudar no pescoço dele e levá-lo para um passeio junto comigo pelo inferno, mas a lágrima no canto do meu olho, aquela porcaria daquela gotícula era pesada demais prá eu conseguir desgrudar do chão... Era pesada demais pra que eu continuasse de cabeça erguida prá olhar aquelas pessoas em volta de mim...
Depois que ele passou eu fiz um gesto que só piorou minha situação, mas do qual eu nunca me arrependi. Eu levantei o punho esquerdo na direção dele e ergui o dedo do meio, causando um rebuliço no meio da tradicional família pseudo-burguesa paulista.
Quando me virei só pra ver como o Roberto estava e ir embora o mais rápido possível dalí, dei de cara com a mãe dele: Ela tinha uma expressão que até hoje não consegui definir, mas a chamo de ‘mãe-em-fúria’. Isso meu caro leitor, é o exemplo da ferocidade animal, estudando um pouco biologia, a gente chega a conclusão que os animais mais ferozes da Terra, não são o leão, o tubarão branco ou as lendárias piranhas, o animal mais feroz da terra é a fêmea defendendo sua cria, qualquer fêmea.
¬ O que você fez com meu filho? – Perguntou-me bufando.
¬ Eu não fiz nada, a gente só fumou maconha...
¬ Ah! ‘Só’ fumou maconha? Eu sabia que isso dele andar com você não ia dar certo.
¬ A gente ‘só’ foi experimen...
¬ Que nada! Deixa de ser mentiroso! Voce já é viciado e fica dando essas porcarias pro meu filho!
¬ Eu nunca fumei isso. Foi a primeira vez...
¬ Foi nada, você nem tá passando mal, já deve ser viciado.
Imagina só, eu levando o Qüem-Qüem pro mal caminho!
Mas como eu fiquei de segurar onda, era o que eu iria fazer...
¬Você vai chamar a sua mãe aqui por que senão eu vou chamar a polícia...
Eu fui. Não havia mais o que fazer, foi até bom ter ido mesmo, precisava de um tempo para reordenar as idéias, mas ia ser difícil, o quê que eu iria dizer em casa? De preferência a verdade, por que de bode eu já tava até aqui ó! Minha mãe ia ter mais ou menos, a mesma reação da mãe do Roberto. O único que seria previsível era o meu pai. Mas tinha o pai do Roberto também, que era muito tranqüilo também. Enquanto eu fui em casa, a mãe do Roberto ligou para ele, que veio do trabalho ver como o filho estava.
E cada vez juntava mais gente...





Quando falei prá minha mãe do ocorrido e da solicitação da presença dela lá, ela ficou surpresa e a princípio, brava, muito brava, mas na conversa foi um pouco condescendente comigo, depois que garanti pra ela que aquilo foi só uma experiência mal-sucedida. Ela perguntou também dos gêmeos, mas eu não sabia onde eles estavam, provavelmente em casa.
Que diabos! O Roberto lá tinha que ter dor de barriga? Não bastava só ficar muito louco? Ainda bem que foi só dor de barriga, diriam os mais céticos. È isso mesmo! E você vai ver, vai chegar o dia em que as pessoas vão fazer da maconha um estilo de vida também e, eu acabei passando por isso de bobeira, por pura hipocrisia dos outros.





Voltando à casa do Roberto com minha mãe, apresentei-as e ficaram conversando depois se viraram prá mim e voltei a contar toda aquela história de novo. O que até aquele momento era novidade, agora começara a ficar repetitivo. Mas nessa bagunça toda ainda aconteceu algo de novo!
O Luisinho, nosso amigo e provavelmente o patrocinador oficial daquela da nossa empreitada cannabiana, passou pela frente da casa e viu o movimento, parou prá ver o que estava acontecendo. Eu quando vi sua Kombi branca parar na frente da casa, foi um alívio, a minha tábua de salvação apareceu:
¬ E aí Galinho, o quê que foi? Morreu alguém aí? – Perguntou assim que me viu.
¬ Eu quase morri aqui. Foi bom você aparecer.
¬ Quê que foi? Parece que você não tá bem...
Expliquei-lhe toda a situação e ele resolveu bancar o pai, e era mais ou menos o que ele sempre fazia. Principalmente quando algo estava indo muito errado...
¬ Eu pego quem deu esse baseado pro Vladimir...
¬ Ele disse que achou.
¬ Achou o caramba! Você acha que malandro fica perdendo isso por ai? E eu andei sabendo que tem um vacilão, lá na favela passando meu bagulho prá criança. Agora eu acho esse mané.
¬ Eu também pensei isso. – Disse com o meu desconfiômetro ligado.
¬ E o Qüem-Qüem, como tá?
¬ Agora já tá melhor, depois que o farmacêutico aplicou uma injeção.
¬ Esse idiota. Te fodeu hein! Mas esquenta a cabeça não garoto, vamo resolver isso.
¬ Tem como?
¬ Tem. Vamo buscar o Vladimir. Ele vai ter que explicar isso tudo. Pelo que eu tô vendo, tá todo mundo tirando seu couro. Sair daqui já vai resolver muitas coisas... e os gêmeos vão ter que vim aqui segurar a onda deles.
O Luis entrou, falou com nossos pais, me levou prá dentro da Kombi e fomos atrás dos dois. Na casa deles ele explicou a situação prá mãe deles, que teve a mesma reação da mãe do Roberto: os dois santinhos dela jamais fariam daquilo. O Luis explicou que aquilo não era de ser nada, só coisa de moleques, mas que eles teriam de ir lá explicar prá mãe do Roberto que foram eles que trouxeram a droga.
Muito a contra gosto eles vieram, mas na hora de falar a verdade pros pais do Roberto, se uniram os dois prá dizer que quem tinha trazido o capim-santo, tinha sido eu... E lá se vai uma amizade anos pro saco...
¬Você não mente Vladimir, tá complicando a situação do seu amigo. Mas tudo bem. Ó tio, o mentiroso aqui é esse tampinha aqui. – E apontou o Vladimir para o pai do Roberto—Se o Duílio não estivesse aqui a situação do Roberto poderia ser muito pior.
Passou a mão nos gêmeos e na mãe e os levou embora.
O Pai do Roberto que era o presidente vitalício da turma-do-deixa-disso, numa ação de lucidez disse prá minha mãe:
¬ Leva o menino prá casa e cuida dele. Meu filho já está bem e já-já fica melhor, não adianta ficar aqui dando bronca e expondo eles a essa situação. Depois nos falamos...—E fomos embora.
Em casa minha mãe fez algo que eu fiquei admirado: ela não era mãe de deixar problemas de filhos prá pai resolver, até por que, pai chega cansado do trampo e etc... Mas nesse dia ela disse:
¬ Você vai ver só quando seu pai chegar! – Eu achei estranho, ela nunca fazia isso. Mas foi um alívio, pelo menos apanhar, eu já vi que não iria.
Á noite eu fiz questão de estar dormindo quando meu pai chegou. Minha mãe contou prá ele e cobrou uma atitude. Ele tentou minimizar a situação, ¬ Isso é coisa de moleques ¬ mas não funcionou.
¬ Ou você dá um jeito nesse menino ou eu dou!
Ele veio pro meu lado na cama:
¬ Levanta. Eu sei que você não tá dormindo, vamos.
¬ Deixa eu dormir!
¬ Não deixo não, sua mãe tá preocupada. A gente precisa conversar, por que isso que você fez hoje ...
E começou a falar, falar e falar... Ficou horas, falando.
Vou poupar o leitor das considerações do meu pai, que era um homem muito inteligente e se eu for escrever o que ele disse, vou ter que escrever outro livro. Dá um tratado sobre drogas...
.....................................................................................




No dia seguinte o Roberto não foi á escola. Nem foi nos dias seguintes: seus pais o tiraram da escola, onde todo mundo já estava sabendo do ocorrido. E todos ficaram sabendo por causa do Adolfo, um vizinho do Roberto, grande e gordo, que além de estudar no Jocelyn era um dos maiores fofoqueiros do bairro, e me fez o favor de contar prá todo mundo na escola. Os garotos passaram a tirar onda com a minha cara: “E aí, fumeiro, vamos estourar ‘um-do-bom’ no recreio?” — Foi a frase que ouvi do Luisão e do Cai-Cai, dois conhecidos arruaceiros da escola e inúmeras outras provocações do mesmo tipo.
A minha namorada daquele ano quase todo, a Maria Antônia, nem disse nada, só me devolveu algumas pequenas coisas (fotos, aliança e brinquedos) que eu lhe havia dado no decorrer do ano, e nunca mais olhou na minha cara.
Eu e o Vladimir nos atracamos no recreio do terceiro dia por provocações mútuas e por causa da bronca que ele levou do Luisinho, além, é claro, de ter que cagüetar quem deu o baseado prá ele, mais a surra que levou do pai. Fomos os dois parar na diretoria. A diretora, Dona Inês, que era muito amiga minha, deu suspensão de três dias para os dois. Não podia livrar minha cara dessa vez, como fez em tantas outras, tinha que manter a autoridade na frente do Vladimir e dos outros .
O Ruberval foi o seguinte, assim que voltei da suspensão, ele veio querer tirar satisfação das coisas que ficaram pendentes e tomar as dores das pancadas que dei na cara do irmão dele. Me grudei com ele também na entrada escola, trocamos várias, até que o Seu Nestor, caseiro da escola veio nos separar. O Rube aproveitou a ensejo e sumiu. Eu fui levado prá diretoria de novo, não era de fugir da raia, como você pode notar. A Inês não estava, fui suspenso outra vez.
No dia seguinte quando soube da treta, a Inês foi em casa, me botou dentro daquele maravilhoso Kharmann Guia TC verde, em que ela sempre me levava prá disputar os torneios de xadrez, onde eu representava a escola ou quando queria que eu escrevesse os cartazes e avisos das atividades escolares, se aproveitando da minha facilidade com o desenho.
Disse-me que a minha situação escolar estava por um fio e eu deveria voltar ás aulas, que a segunda expulsão havia sido um engano da secretária da escola, Dona Solange, que não poderia fazer isso duas vezes, já que eu estava sendo vítima das chacotas de todos.
Ela e o Luisinho foram os únicos que mantiveram a dignidade nessa história e ele passou a me pegar na esquina da minha rua com a Kombi e me levar para escola, além de dar homéricas broncas em todo mundo que se metesse no meu caminho, foi em reuniões de pais com se fosse o meu, pois eu não dizia em casa que tava com a minha vida escolar indo pro ralo. Depois me pegava na saída e me levava de volta. Me deu grandes lições de vida.
Isso tudo ocorreu quase no final do ano letivo e não deu tempo de fazer muita coisa. Durante o ano eu havia cabulado quase todas as aulas que haviam depois do recreio pra ir namorar a Maria, junto com o Roberto Qüem-Qüem que namorava a Sonia, irmã dela. E pro meu azar a maioria das aulas desses dias que eu gazeteava, eram de matemática...
No fim eu ainda tentei recuperar o que havia perdido, mas já era tarde demais, a professora de matemática Dona Nobuko, uma nissei magrela, antipática, me reprovou por faltas, apesar de algumas notas razoáveis.
O ano acabou de forma melancólica e triste e até o início do ano seguinte, quando me mudei da Vila Industrial, ainda vi o Roberto algumas vezes, bancando o DJ de um parquinho de diversões que se instalou ao lado da sua casa. A família dele não ficou ressentida comigo e ainda nos vimos muito, por anos seguintes, depois ele se mudou também e não o vi mais.

O Luis eu tive o prazer de rever uns cinco anos depois. Eu havia arrumado um emprego de letrista em uma empresa de publicidade na Vila Carrão, e o Luis tinha uma oficina de mecânica de carros em frente! Fiquei muito feliz, já que a sua situação de traficante não lhe caia muito bem e ele era um puta de um mecânico, sabia tudo de carro: elétrica, pintura e mecânica.
Revê-lo, sempre me pareceu uma dessas coincidências que só acontecem em novelas, mas que na vida real servem pra quitar determinados débitos que ela cria com os seres humanos. E tivemos a oportunidade de conviver e nos divertir muito, com grana no bolso, tocando violão, viajando, acampando, arrumando namoradas... sem drogas e sem gente inútil e hipócrita em volta.
É isso aí: a vida imita o vídeo...


.

TÁ CEDO!!!